sábado, 24 de janeiro de 2015

Bernardo, Cancelo, a formação e a nossa identidade. Ou retórica romântica sem sentido.

"Eu quero é ganhar, nem que seja com 11 chineses."

Não há adepto que não queira que o seu clube ganhe. Não deixa de ser curioso que muitos dos que dizem isto, são os que protestam (baixinho) com a cor do equipamento alternativo, com os horários dos jogos, com a numeração das camisolas, etc. Com o futebol moderno, portanto. Apaixonam-se pelo futebol inglês e alemão, cheio de adeptos no estádio. Lá fora são do West Ham, do Liverpool, do Torino, do HSV, St. Pauli, clubes que pouco ou nada ganham, mas que estão cheios de romantismo. Nem que seja com 11 chineses.

E será que conseguimos ganhar com 11 chineses? Por muito que abomine a estratégia de guerra e ódio (e putas) do FCP, a verdade é que ela durante muitos anos assentou numa identidade que no Benfica se perdera no fim da época de 93/94. Jogadores formados lá ou no nosso campeonato, cientes do que é a rivalidade, do que é um clássico, de como tem que se ganhar cá. E ganhando cá, ganharam na UEFA. Fernando Couto, Jorge Costa, Deco, Maniche, Ricardo Carvalho, Domingos, Vítor Baía, etc.

E o fenómeno não é único por cá. Vemos muitas das grandes equipas do futebol pós Bosman e são casos idênticos, com uma espinha dorsal local. Manchester United, Bayern Munique (e praticamente todos os clubes alemães), Barcelona...

Quero é ganhar. Dizem muitos que foram ao Porto, Amsterdão e Jamor, há dois anos, e a Turim o ano passado. E faziam-no outra vez. Então? Pelo convívio, pela comunhão, pela aventura. Pelo Benfica. Nos últimos 5 anos ganhámos 2 campeonatos, chegámos a finais europeias, quase ganhámos... Hoje estamos lançados para um terceiro que pode ou não chegar. Depois de tantos anos sem nada ganhar, talvez agora esteja com o rei na barriga mas eu não quero é ganhar. Eu quero uma identidade, um orgulho. Quero o nosso estádio sempre cheio, quero que os nossos adeptos vão fora aos milhares, com ou sem bilhete, que cantem nas esplanadas, nas praças das cidades, que deixem um mar de copos de cerveja e boa disposição. Que haja adeptos em Inglaterra, Itália, Alemanha, Brasil e Argentina a verem vídeos do nosso estádio, dos nossos cânticos, das nossas invasões. E quero um presidente de quem tenha orgulho, um de nós. Quero uma equipa com pelo menos meia dúzia dos nossos, gajos que falam a nossa língua, que partilham quartos na selecção, como partilharam no Seixal, uns craques, outros voluntariosos, outros líderes e um ou dois capitães. Quero orgulho não só num nome e num ideal (Benfica), mas no  que realmente somos e representamos. Quero ser vaidoso em relação à nossa identidade. E se, no fim da época, ganharmos, melhor ainda.

João Cancelo

- Depois do Bernardo há-de ir o Cancelo.

- E este não dói tanto, não é tão dos nossos, apesar de ter crescido ali.

- E este não dói tanto, porque o vemos jogar e defende mal, erra perde a cabeça, parece o Quaresma a jogar a lateral direito.

- Mas com a bola nos pés, antes de tomar uma decisão errada, é um craque de DVD.

- E fica a dúvida. Não é um jogador à medida do Jesus? Quem transformou Coentrão ou passou uma época a insistir em Melgarejo e agora em Eliseu não ensinava este puto a jogar à bola?

- E se alguém, lá fora, o ensinar e for mais um que vemos passar?

Bernardo Silva.

Ponto prévio: O Benfica não acaba por sair um jogador, um treinador ou um presidente.

- O Bernardo Silva não é alto e forte. É baixo e deve pesar menos de 70kg. Mas tem um pé esquerdo que eu sonhava ter. Levanta a cabeça para fazer um passe a rasgar tão bem como dribla, conduz e atrai o defesa para depois isolar um colega na cara de um guarda-redes, mas também finaliza. É um 10, sim, mas joga na ala ou atrás de um ponta de lança e há quem diga até que pode jogar a 8. Não sei. É um jogador inteligente, apesar de novo, e irreverente, mas normalmente toma a decisão certa. É um enorme benfiquista, daqueles que segue a equipa a um jogo a mais de 300 kms de distância. Fora do campo, sabe juntar palavras para fazer frases e junta frases para falar bem. Vem de boas famílias, mas não é um inconsequente que só quer sair à noite e aparecer em revistas com modelos ao lado. Nas férias foi com o pai a Nova Iorque. Ouviu jazz. Nunca viveu numa barraca, nunca passou fome e tem, por isso, aquela relação desprendida com o dinheiro que só quem nunca teve falta dele (e secretamente sabe que ele nunca lhe faltará) tem. Agora especulo: mas também por isso, por nunca lhe ter faltado nada, não iria encostar o Benfica à parede porque um empresário lhe acenava com um contrato qualquer. Não era um santo que jogaria de borla no Benfica, mas entre ganhar muito dinheiro como todos os jogadores ganham no clube do coração ou ganhar muito dinheiro e mais algum noutro lado, ficaria satisfeito por cá. Só queria jogar.

- Estava vendido desde o Verão e sabia-o, sabíamos todos. O presidente do Benfica dizia que não, que ele (eles) voltava (voltavam), mas que havia para lá umas cláusulas e não se podem recusar 15 milhões por miúdos da formação. E agora confirmou-se.

- E irrita solenemente mais uma aldrabice de um aldrabão, por muito que todos soubéssemos. Ou por saber que estou a ser aldrabado devo resignar-me com conhecimento de causa?

- Jesus não contava com ele e nós contamos com Jesus (e bem, apesar das manias, das teimosias, dos Filipes Menezes, Cortezes, Emersons, Brunos Césares, Artures e Robertos, das comissões de que se falam em surdina). Jesus é um génio defeituoso, cheio de defeitos e falhas, na forma como fala, como conduz homens, mas quando o conhecem todos lhe reconhecem o génio. Os jogadores agradecem-lhe, os adeptos vêem a equipa ganhar e jogar bem, umas vezes melhor, outras vezes pior, mas há sempre ali qualquer coisa, seja nota artística, sejam defesas de marretas que não sofrem golos, jogos que parecem fáceis, goleadas, jogadores banais que parecem bons e bons que parecem incríveis.

- Se Jesus não contava com ele e nós contamos com Jesus, só havia isto a fazer. Se nós contamos com Jesus e ele conta connosco para o ano e para o próximo e o outro a seguir. Se Jesus se for embora este ano ou no outro ou no outro, então foi um erro. Então venda-se o Talisca (caia ele para o lado que cair, que ainda ninguém se decidiu, para o lado Matic ou Rodrigo, ou para o lado Filipe Menezes) e deixe-se o que usa a nossa camisola fora do campo.

- Então escolhemos o prático, o futebol moderno, enquanto ele for ganhando e os jogadores chegarem por 10 e saírem por 30 e o Benfica estiver na Liga dos Campeões, eliminado ou não, e for lutando com os do norte como em tempos não se vislumbrava ser possível outra vez. E deixamos o lado romântico para os outros que admiramos à distância, nos blogs, nos jornais ou no youtube. E, para ti, voltes ou não, chegues ao Olimpo como jogador ou não passes do meio da tabela:

Boa sorte craque.

Uns meses depois.

- Vamos em primeiro. 6 e 10. Ganhámos no dragão.

- Enzo saiu agora em Janeiro. O Ruben Amorim está quase a voltar, o Fejsa vai ser operado outra vez, tem bicho. O meio-campo anda entre Samaris, Cristante, Pizzi e Talisca.

- Talisca teve uma entrada em grande na época, cheio de golos, mas foi-se muito abaixo e na posição 8 ainda não convenceu.

- Julio César tem estado muito bem.

- Jonas foi a contratação do ano. Que craque, mesmo com aquela vozinha. Tivesse chegado a tempo da Uefa e ainda viajávamos este ano.

- Eliseu lesionou-se entretanto e já regressou. A defender está longe de perfeito, mas tem tido pulmão e apoia bem o ataque. O André Almeida, pau para toda a obra, cumpriu do lado esquerdo. O Jardel continua com as suas deficiências no que lida ao toque na bola, recepção e passe, sobretudo pressionado. O Luisão continua rei e senhor. Entre César e Lisandro ainda não se definiu muito bem a terceira opção.

- Mesmo com imensos jogos sem Luisão e com Almeida na esquerda, a defesa cumpre, mais um indicador do génio de Jesus.

- O Sportém não tem qualidade para lutar pelo primeiro lugar.

- O FCP tem qualidade de plantel (superior, até, à nossa), mas felizmente o treinador não mostra ser capaz de os pôr a jogar o suficiente.

- Entretanto já começou o choradinho e já começámos a ver os proveitos disso, o FCP vence na última jornada com golos em fora de jogo e os próximos fins de semana não vão ser fáceis, os campos vão começar a inclinar.

- Estamos em primeiro. 6 e 10. E ainda agora começámos a jogar à bola.